💡🎥 O presente tema foi objeto do Episódio 96 (gravado) do nosso Momento Consult, disponível em nosso canal do Youtube.
No último dia 10 de setembro de 2024, foi publicada a Lei Estadual nº 22.144, incorpora, de forma expressa, em seu artigo 1º, o direito do contribuinte de optar pelo pagamento do IPVA e/ou do Licenciamento, devidos ao Paraná, antes da remoção do veículo automotor, em caso de abordagens oficiais (no Estado, frise-se), de forma a regularizá-lo, evitando a remoção do mesmo, bem como os custos decorrentes dessa ação, decorrentes da regra dos artigos 270 e 271 do Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503, de 23 de setembro de 1997).
Preliminarmente, a despeito de eventual alegação de incompetência da Lei Estadual Paranaense estar invadindo a competência privativa da União de legislar em matéria de trânsito (art. 22, Inc. XI da CF/88) com tal medida, observamos que a Emenda Constitucional nº 132, de 2023, incorporou novos princípios constitucionais tributários ao art. 145 da Constituição Federal, pela introdução do seu parágrafo 3º, estabelecendo, doravante, que o “Sistema Tributário Nacional deve[1] observar os princípios da simplicidade, da transparência, da justiça tributária, da cooperação e da defesa do meio ambiente.”
Lembramos que, o Paraná, por ocasião da edição da LC Estadual 107/2005, em seu artigo 2º já tratava, dentre outros, a pretexto da instituição dos tributos no Estado, que se atenderia “aos princípios da eficiência econômica, da simplicidade administrativa, da flexibilidade, da responsabilidade e da justiça”, o que fim, compatibiliza a ação com um direito já existente.
Ressaltamos, ainda que, à luz do art. 23, III da referida EC 123/2023, o referido dispositivo (como outros), diferentemente das questões afeitas ao IBS, CBS e IS, bem como das demais pontualmente descritas, está em vigor desde a publicação da mesma, ocorrida em 20 de dezembro de 2023, significando, de fato e de direito, uma relativa superposição da norma estadual à norma federal, e, ao mesmo tempo, não violando necessariamente a regra constitucional de exclusividade federal de matéria atinente a trânsito, notadamente porque o § 9º[2] do já citado art. 271 do Código Nacional de Trânsito prevê, como regra de exceção, que não cabe a remoção nos casos em que a irregularidade for sanada no local da infração.
Não bastasse isso, observamos que a nova lei paranaense, além de prever a possibilidade de evitar a remoção (regra federal), está fundamentada na regra do art. 155, III, § 6º da CF/88, que prevê competência exclusiva dos Estados e do DF, de legislarem sobre o Imposto sobre propriedade de veículo automotor.
Inobstante isso, o art. 24, I da nossa Constituição prevê competência concorrente para União, Estados e o DF, legislarem em matéria tributária (desde que evidentemente não ultrapassem limites constitucionais), estabelecendo quanto ao IPVA (que é, antes de tudo um imposto) a exclusividade dos Estados/DF (art. 155, III da CF/88) em fazê-lo, e, no art. 145, II da CF, em linha com o citado art. 24 acima, à União, Estados, DF e Municípios, a competência concorrente de legislar sobre “taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição”.
É o caso da Taxa de Licenciamento dos veículos automotores, exigida pelos Estados e pelo DF, bem como do IPVA, não se falando, “in casu”, em invasão de competência aqui, notadamente porquê, mesmo que não existisse o citado § 9º do art. 271 do CTB, considerando, a competência do Estado do Paraná em legislar sobre os dois casos, ao permitir o pagamento nestas circunstâncias, estaria descaracterizando a causa legal que permitiria a retenção do veículo, uma vez que a remoção seria apenas uma das consequências da irregularidade.
O art. 2º da Lei paranaense, doravante concede ao proprietário do veículo automotor, bem o usuário se estiver de posse do mesmo no momento da abordagem em operação de trânsito, no Estado, a faculdade de efetuar o recolhimento destes débitos decorrentes do atraso (bem como de seus respectivos encargos), existentes no prontuário do veículo, por meio de uso do sistema bancário eletrônico, limitando-se a estas duas situações apenas, sendo o mesmo liberado apenas após a confirmação efetiva do pagamento em questão, sendo de responsabilidade exclusiva do condutor ou do proprietário a emissão das respectivas guias necessárias a tal fim[3], que em princípio, seria a GR-PR.
A pretexto dessa obrigação de geração da guia de pagamento recair sobre o proprietário ou condutor (nos casos em que o mesmo não tenha a propriedade do veículo), a Lei Estadual poderá disponibilizar dispositivos ou equipamentos que possibilitem realizar-se, no ato da abordagem, o pagamento dos débitos existentes no prontuário do veículo, desde que haja disponibilidade técnica do sistema na ocasião.
Esta possibilidade, que não é uma obrigatoriedade, frise-se, a nosso ver, se refere a situações onde não haja acesso aos meios de comunicação que permitam fazê-lo, lembrando que, como regra, em havendo o referido acesso, a Receita Estadual do Paraná lançou, em janeiro de 2023, aplicativo para os smartphones com serviços disponíveis aos contribuintes, dentre eles, tais pagamentos, bastando que se faça o download do mesmo, disponível para dispositivos móveis nas lojas do Google e da Apple, que atendem os dois sistemas em uso atualmente no Brasil, podendo se valer do conhecido PIX ou outros recursos de pagamento disponibilizados pela instituição financeira do pagador.
É importante lembrar que a regularização dos dois débitos somente impede a imposição da medida administrativa de remoção do veículo se a infração se limitar a isso, porque, à luz do art. 131, § 2º da Lei Federal nº 9.503, de 1997 (Código de Trânsito Brasileiro – CTB), observando-se a existência da ADI 2998, que o “veículo somente será considerado licenciado estando quitados os débitos relativos a tributos, encargos e multas de trânsito e ambientais, vinculados ao veículo, independentemente da responsabilidade pelas infrações cometidas.”
Isso equivale dizer que tal pagamento não afasta as demais penalidades previstas no CTB, em especial as demais constantes do seu artigo 269[4], e até mesmo a remoção do veículo em outras situações, a depender da infração cometida, sendo textualmente lembrado pelo art. 5º da Lei em comento, as situações de veículos envolvidos em ilícitos penais (v.g. fuga de cena de crime) e os com pendências judiciais (v.g. ordem de busca e apreensão), ficando patente que, mesmo que o IPVA e o Licenciamento estejam em dia, em tais circunstâncias, e outras que a Lei possa determinar, a apreensão e remoção poderá ocorrer, ressalvadas as garantias constitucionais e legais existentes.
Por derradeiro, observamos que a referida Lei Estadual, salvo na criação de mecanismos alternativos de pagamento antes comentados, independe de regulamentação, já estando em vigor, pois com o uso dos referidos aplicativos e sistemas bancários atualmente existentes tal quitação seria possível (desde que confirmada), não havendo qualquer norma que restrinja a sua aplicação (ditas normas de eficácia contida), limitando-se a mesma, como visto, à uma ampliação facultativa estatal de possibilidades técnicas de pagamento do IPVA e do licenciamento em atraso, sendo, portanto, norma de eficácia plena, produzindo, via de consequência, efeitos imediatos e integrais, sem necessidade de outras normas para tanto, limitando-se apenas ao exercício do condutor ou proprietário e às condições técnicas operacionais do citado recolhimento.
José Julberto Meira Junior – OAB/PR 15.765 (Escritório Curitiba)