Em matérias publicadas em 12/07/2024 e em 05/08/2024 trouxemos inúmeras informações acerca das transferências de mercadorias entre estabelecimentos de uma mesma empresa, adicionando inúmeros e complementares comentários feitos em vídeos de nosso Momento Consult[1], quando analisamos a temática, desde o nascedouro, das suas problemáticas, passando pelas questões jurídicas e de ordem legal, bem como quanto aos procedimentos cabíveis à vista do que se tem até o momento.
Desta feita, dando continuidade às informações, duas questões restaram remanescentes da discussão, versando sobre o diferimento (tratado superficialmente no texto de 12/07/2024[2]) e a situação reflexa da substituição tributária nos casos do exercício da opção de não se debitar o ICMS nas transferências internas[3], quando, por obvio, não haveria o recolhimento do imposto diferido, pois o produto permaneceria dentro do Estado.
Quanto ao diferimento, na linha do que dissemos anteriormente, o diferimento pressupõe mera técnica de postergação de tributo e o recolhimento se dará, como regra geral[4], conforme o artigo 29 do Anexo VIII do RICMS/PR, nas saídas para outro Estado ou para consumidor final, ensejando o recolhimento do imposto até então diferido (leia-se: postergado); ou seja, haverá o débito deste imposto não recolhido não porque é uma transferência, mas porque há uma interrupção da condição para tal, e, segundo o artigo 117, I do CTN[5], uma cláusula regulamentar suspensiva que dispensa o recolhimento do ICMS enquanto dentro das condições legais impostas (conditio sine qua non[6]), o que, a “grosso modo”, equivale dizer que a postergação se suspende com o descumprimento da referida condição para que o mesmo seja diferido, qual seja, no caso em tela, a saída para outro Estado.
Fica ainda, a convicção, de que, em se fazendo a opção pela transferência com o débito, nas operações internas, haverá a manutenção do diferimento de qualquer forma, da mesma forma, como dito acima, em caso contrário, não havendo o débito (ainda em operação interna), o remetente, até que seja alterada a legislação, não estaria obrigado ao recolhimento do imposto diferido.
Sobre este tema tratamos especificamente em dois outros momentos, seja como técnica de postergação[7] ou como modalidade de substituição tributária antecedente[8], corroborando-se este entendimento com o posicionamento do Estado de São Paulo na Consulta 29350/2024, que, já tratando das transferências sob a nova ótica, entendeu que:
O diferimento do imposto devido em operações anteriores à transferência interestadual é interrompido na saída de mercadorias para outro Estado, devendo seu lançamento ser efetuado nos termos do artigo 430 do RICMS/2000.
No Paraná tal situação foi convalidada em dois momentos distintos, na Consulta 34/2024 e na Consulta 36/2024, que tratam de saídas interestaduais com produtos diferidos, sob a ótica da não-incidência decorrente da ADC 49, observando-se nesta última resposta, à luz do art. 579-K do RICMS/PR, que tal imposto será transferido mediante lançamento a débito no momento da saída.
Portanto quanto ao diferimento não nos parece haver maiores discussões porque representa muito mais um interesse do Estado em retirar a tributação de determinadas situações, notadamente os produtos de origem primária mineral, animal e vegetal, permitindo-lhes maior agregação de valor sem o tributo nas etapas intermediárias, reduzindo-se, por consequência o custo do processo, representando legítimo ato de fomento[9] estatal.
Ou seja, é vista antes de tudo, como uma situação de interesse arrecadatório da Fazenda Pública, que não se confunde com a não-incidência e atende a critérios de legalidade, discricionariedade, praticabilidade[10] e conveniência.
Quanto à questão da substituição tributária tradicional (dita subsequente) também buscamos orientações junto ao setor consultivo dos dois Estados e encontramos posições parecidas, ambas partindo da premissa de que, embora não ocorra o fato gerador do ICMS nas transferências, internas ou interestaduais (a despeito da haver aqui o débito atualmente conforme nosso artigo 579-L do regulamento paranaense), deve haver a substituição tributária, que é, antes de tudo, uma ficção legal[11], ou seja, uma presunção de tributação em saídas posteriores, que não estariam abrangidas pela não-incidência e que estaria lastreada no art. 150, § 7º da CF/88, segundo o qual, “A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.”
Ou seja, não se estaria tributando a transferência, mas as etapas subsequentes, ficando evidenciado, no caso paranaense, sob tal ótica, que as operações interestaduais com débito, na linha do que prevê o Convênio ICMS 225/2023[12], determinando (sic[13]) a dedução do imposto próprio no cálculo da substituição tributária, sem embargo de inúmeros questionamentos de ordem judicial quanto ao papel dos Convênios[14] em nosso ordenamento pátrio como tratamos em obra própria[15].
Neste contexto, para São Paulo, por meio da Consulta 29.246/2024, do último dia 06 de agosto do corrente ano, “tais transferências são fatos jurídicos que devem ser considerados para os demais fins”, observando-se que, não obstante a não-incidência da transferência, a autonomia dos estabelecimentos continua a existir no ordenamento jurídico pátrio para os demais fins, tratando-se, portanto, de um fato jurídico apto a produzir outros efeitos tributários que não sejam o surgimento da obrigação tributária principal que seria devida em decorrência de eventual saída destinada a outros contribuintes.
Da referida resposta paulista tiramos, ainda, os seguintes excertos que contribuirão com a cognição da problemática:
…
10.1. Na situações em que o contribuinte optar pela transferência do crédito, este deverá ser deduzido do imposto devido por substituição tributária, na forma já prevista pela legislação.
10.2. Não havendo opção do contribuinte pela transferência do crédito, este será mantido no estabelecimento de origem e por ele aproveitado nos termos da legislação, razão pela qual não será deduzido do ICMS devido por substituição tributária.[16]
No Paraná, conforme a Consulta 31/2024, datada de maio do corrente ano, e, frise-se, antes portanto do advento do Decreto 6.835/2024 (que trouxe à lume na legislação estadual a opção do débito ou não na operação interna), tivemos o seguinte posicionamento:
Quanto ao preenchimento da NF-e, independentemente de a operação se sujeitar, ou não, à substituição tributária, deve ser observado o estabelecido no art. 579-L do Regulamento do ICMS: “A transferência do ICMS entre estabelecimentos de mesma titularidade, pela sistemática prevista neste Capítulo, será procedida a cada remessa, mediante consignação do respectivo valor na NF-e que a acobertar, no campo destinado ao destaque do imposto.”.
Assim, nas transferências de mercadorias, no caso de a consulente exercer a condição de substituto tributário, deverá consignar, no campo destinado ao destaque do imposto correspondente à operação própria, o valor que teria o estabelecimento destinatário o direito de escriturar como crédito, caso não fosse contribuinte substituído. Isso porque, em relação às operações em que o estabelecimento destinatário se revestir da condição de substituído tributário, deverá escriturar a NF-e de entrada sem registrar créditos e emitir nota fiscal, por ocasião da saída, sem destaque de ICMS, em conformidade com o disposto no art. 5º do Anexo IX do Regulamento do ICMS.
Por seu turno, o montante destacado na NF-e, no campo destinado ao imposto da operação própria, deverá ser registrado pela consulente como débito, da mesma forma como deve proceder em relação a saídas interestaduais de mercadorias não sujeitas à substituição tributária, quando destinadas a estabelecimentos de mesma titularidade
Ou seja, na resposta acima, não se considerou a não-incidência da própria operação eis que a mesma foi respondida antes da alteração do regulamento recente, com a introdução do artigo 579-P ao Regulamento do ICMS do Estado do Paraná, podendo ensejar nova consulta de ratificação ou retificação da posição se ainda prevalecerem dúvidas quanto a orientação, notadamente porque as respostas de São Paulo não são idênticas, justamente porque o setor consultivo paulista já ponderou esta alteração e o paranaense o fez antes da mesma.
Sob o ponto de vista jurídico o tema ainda sugere outras posições e outras ponderações que até poderão ser consideradas (e para tanto, terão que evoluir para se sustentarem), como, por exemplo, em linha diametralmente oposta ao posicionamento oficial, a argumentação de que por não ocorrer o debito, por conta da inocorrência do fato gerador, a presunção da ST não se sustentaria porque esta última decorre da primeira, que seria a obrigação legalmente prevista, que, em não existindo no mundo jurídico não obrigaria a retenção, pois a presunção inicial se sustentaria inicialmente porque vinculada a um fato efetivo descrito como sujeito à incidência.[17]
Observamos, por fim, que, ao optar em não debitar o ICMS próprio na operação interna[18], não se fazendo o débito próprio, haverá uma relativa majoração do ICMS ST, uma vez que o imposto próprio não seria deduzido do valor final a ser recolhido, o que deve ser considerado pelo contribuinte e que se a regra for seguir a orientação do Convênio ICMS 225/2023[19], com o débito próprio, o contribuinte deverá efetuar a opção pelo mesmo no Livro Termo de Ocorrências eletrônico só podendo alterar a sistemática no ano seguinte ao da comunicação de desistência da opção.[20]
José Julberto Meira Junior – OAB/PR 15.765 (Escritório Curitiba)