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ICMS/PR – Transferência de mercadorias entre estabelecimentos da mesma empresa – Convênio ICMS 93/2024

Por intermédio do Despacho nº 30, de 08.07.2024 (Diário Oficial do dia 09.07.2024), do Ministério da Fazenda, foi publicado, dentre outros, o Convênio ICMS 93, de 05.07.2024, o qual prorroga as disposições do Convênio ICMS 228/2023, até 31.10.2024, autorizando os Estados e o DF a permitir que os contribuintes utilizem as normas de emissão de documentos fiscais em vigor em cada Unidade Federada em 31/12/23 nas transferências interestaduais entre estabelecimentos de mesma titularidade, até a regulamentação interna dos novos procedimentos.

Houve silêncio absoluto quanto ao Convênio ICMS 178/2023, o qual obriga (sic), na remessa interestadual de bens e mercadorias entre estabelecimentos de mesma titularidade, à transferência de crédito do ICMS, da mesma forma que o Convênio ICMS 225/2023, que, por sua vez, acresceu o § 2º à cláusula décima terceira do Convênio ICMS 142/2018, determinando, de forma textual, que, deverá ser deduzido o ICMS destacado na nota fiscal de transferência, nos termos da cláusula quarta do Convênio ICMS nº 178/2023, de 1º de dezembro de 2023”.

A rigor, não só a prorrogação do Convênio ICMS 228/2023, como a manutenção dos Convênios 178/2023 e 225/2023, representam ignorar, solenemente, a inserção do § 5º ao artigo 12 da Lei Kandir (DOU de 13.06.2024), que é oriundo da LC 204/2023, e que foi originalmente vetado (Veto 48), mas, posteriormente derrubado em 28.05.2024, e que, por sua vez, deixa evidente a opção do destaque a critério do contribuinte, como se vê abaixo:

Art. 12.

Alternativamente ao disposto no § 4º deste artigo, por opção do contribuinte, a transferência de mercadoria para estabelecimento pertencente ao mesmo titular poderá ser equiparada a operação sujeita à ocorrência do fato gerador de imposto, hipótese em que serão observadas:
I – nas operações internas, as alíquotas estabelecidas na legislação;
II – nas operações interestaduais, as alíquotas fixadas nos termos do inciso IV do § 2º do art. 155 da Constituição Federal.
Grifo nosso

Alerte-se, ainda, que a redação anterior do § 4º do artigo 12 da Lei Kandir (também incluída pela LC 204/2023), a nosso ver, já acenava com tal possibilidade, estando em linha com a decisão oriunda da ADC 49, do ARE 1255885, e, o consequente Tema de Repercussão Geral 1099, que, por sua vez, corroboraram a antiga Súmula 166 do STJ.

Prosseguindo, dados estes fatos, salvo posicionamento posterior do CONFAZ que mude esta situação e se mantenha a exigência de débito do ICMS nas transferências (notadamente as interestaduais) entre estabelecimentos da mesma empresa (travestido de transferência obrigatória de crédito), há, sob nossa ótica jurídica, espaço para se questionar tal posicionamento, o que, por óbvio, recomenda, também, ouvir outras opiniões, sempre considerando aspectos de oportunidade e conveniência (ou, preferindo, custo de oportunidade) e os eventuais riscos da decisão que se venha tomar.

Os argumentos de questionamento não se encerram, porque, a despeito do veto original ao citado § 5º do artigo 12 da Lei Kandir (derrubado posteriormente como se viu acima), o § 4º do mesmo artigo 12 já deixava antever que as transferências, tanto em operação interna quanto interestadual, não configuram o fato gerador do ICMS, como se vê abaixo:

Art. 12. (…)
I – da saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte;

4º Não se considera ocorrido o fato gerador do imposto na saída de mercadoria de estabelecimento para outro de mesma titularidade, mantendo-se o crédito relativo às operações e prestações anteriores em favor do contribuinte, inclusive nas hipóteses de transferências interestaduais em que os créditos serão assegurados:
I – pela unidade federada de destino, por meio de transferência de crédito, limitados aos percentuais estabelecidos nos termos do inciso IV do § 2º do art. 155 da Constituição Federal, aplicados sobre o valor atribuído à operação de transferência realizada;
II – pela unidade federada de origem, em caso de diferença positiva entre os créditos pertinentes às operações e prestações anteriores e o transferido na forma do inciso I deste parágrafo.
Grifo nosso

Frise-se que o texto da lei não faz diferença entre o fato da operação ser interna ou interestadual, não tendo, portanto, os Convênios 178/2023 e 225/2023 o condão de obrigar ou determinar alguma coisa porque não passam de acordos[1], prevalecendo a LC 204/2023 (e, por conseguinte, os § 4º e 5º do art. 12 da LC 87/96), que a nosso ver, não se trata de norma de eficácia contida, à luz até dos julgados acima citados.

Sob a ótica estritamente legal, com a revigoração do citado Convênio ICMS 228/2023, até 31.10.2024 a sistemática anterior continuará a ser aplicada, aguardando-se o natural posicionamento dos Estados, que, em grande parte, tenderão a manter a legislação vigente até então, protelando-se a solução ao tema, gerando insegurança aos contribuintes e obrigando os devidos cuidados que o caso requer.

De resto, complementamos as informações acima com outras observações que julgamos importantes, reforçando, ainda, alguns dos posicionamentos retro trazidos:

a) Mesmo com a promulgação do § 5º ao artigo 12 da Lei Kandir, com a derrubada do veto 48 (que torna facultativo débito do imposto nas transferências), sendo que já havia o § 4º (ambos trazidos pela LC 204/2023) o CONFAZ manteve a regra do Convênio ICMS 228/2023 (até 31/10/2024), com a publicação (ONTEM) do Convênio ICMS 93/2024, o qual orienta à “aplicação pelos contribuintes das normas de emissão de documento fiscal vigentes em cada Unidade Federada em 31 de dezembro de 2023 nas transferências interestaduais de mercadorias entre estabelecimentos de mesma titularidade até a regulamentação interna dos novos procedimentos”.

b) O CONFAZ, não tratou (e não vai pelo jeito, pois a prorrogação acima é um indicativo disso) de alterar as regras do Convênio ICMS 178/2023 (onde está o problema!), orientando ao débito do ICMS, que chama de transferência de crédito, e, por via transversa, em analogia ao Tema 1020 de Repercussão Geral[2] que trata do CPOM no ISS (declarado inconstitucional), estabelecendo (sem competência para isso) regra que força ao pagamento do tributo.

c) Ressalte-se que, de quebra, o problema alcança a substituição tributária[3] no contexto do Convênio ICMS 225/2023, pois este, também, determina o débito do ICMS próprio;

d) No Paraná o tema é lastreado no Decreto 4.709, de 31.01.2024, que acrescentou os artigos 579-J a 579-O ao regulamento e obrigando, nas transferências interestaduais, a alegada transferência de crédito, que, indiretamente, é uma forma de débito, e de plano encontra restrições no entendimento do Tema 1093 (Convênio ICMS 93/2015 – DIFAL), que reconhece o império da Lei (Complementar), pois os convênios são meros acordos;

e) Há absoluto silêncio quanto às operações internas, mas entendemos que a LC 204/2023 está longe, sob nossa ótica, de ser norma de eficácia contida, estando em linha com a decisão exarada no âmbito da ADC 49;

f) Convém verificar o tratamento das demais UFs quanto a tal situação e que pode gerar inconsistências que precisam ser sanadas previamente, conforme a decisão que se pretenda adotar.

g) Há, todavia, um gargalo a ser considerado no caso do diferimento, que pressupõe o seu encerramento nas saídas interestaduais em que se estaria pagando o imposto que foi postergado em etapas anteriores. Todavia não é o caso acima[4], pois, v.g., a venda para consumidor final dentro do Estado também encerraria o diferimento, que é reconhecido como técnica de postergação de pagamento de tributo e, em algumas situações, modalidade de substituição tributária da espécie antecedente.

g.1) Neste sentido: ADI 2056/MS; ADI 3676/SP; ADI 3702/ES; ADI 4.481/PR, RE 325623 AgR/MT; AgR no ARE nº 1.204.716/PR,  AgR no RE nº 1.041.587/PR, RE 102354/SC; RE 112098/SP; Rp 1237-9/BA; RE 91848-5/SP; e, RE 102354-6/SC.

Lembramos que abordamos este tema nos episódios 16, 18, 21, 38, 52, 60 e 65 do Momento Consult em nosso canal no Youtube, sendo que, muitos dos argumentos acima já haviam sido apontados (em especial no episódio 38), bem como tratamos do assunto em nosso site em 09.02.2024, quando abordamos a temática e esclarecemos a regulamentação paranaense.

Havendo evolução da situação voltaremos ao assunto tão logo tenhamos informações novas que alterem o entendimento acima, recomendando-se ao leitor, por fim, que se busque a orientação de seu profissional de contabilidade e de seu advogado ou consultor jurídico.

José Julberto Meira Junior – OAB/PR 15.765 (Escritório Curitiba)

[1] MEIRA JUNIOR, José Julberto. Convênios no âmbito do ICMS. Curitiba: Juruá, 2021.

[2] Tema oriundo do RE 1167509, em que o Min. Marco Aurélio entendeu que ao obrigar um cadastro se estaria forçando, por via indireta, retenção do ISS, e, por conseguinte, pagamento indevido do imposto.

[3]    MEIRA JUNIOR, José Julberto. ICMS: Substituição Tributária – Uma Visão Crítica, 3ª ed. Curitiba: Juruá, 2023.

[4]    MEIRA JUNIOR, José Julberto. MOROSINI, Matheus Monteiro; HAUER, Carolina Chaves Hauer; TAROSSO, Fabriccio Petreli; PADILHA, Robson Ochiai (Organizadores). O Diferimento no âmbito do ICMS. In Direito Tributário Paranaense, Volume IV. Curitiba: Instituto Memória. Centro de Estudos de Contemporaneidade, 2024, pp. 66-100.


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